No Carnaval, eu, Luiz Felipe e Ana Luiza, fomos para Bauru, minha cidade natal, minha mãe e meu pai moram lá e sempre que tem um feriado, pegamos as malas e corremos pra lá. Pra quem não sabe Bauru, interior de São Paulo, é uma cidade com um clima quente, comparado com o calor da capital, que é onde moramos hoje, chega a ser impactante. Fomos então, lá em Bauru, para um churrasco na casa do meu primo, sol, piscina, qual a criança que não gosta de brincar na piscina? O sol estava quente, a água da piscina fria, um ventinho... Luiz Felipe e Ana Luiza, brincando com os primos, vovó, pula, entra na piscina, sai da piscina, sol, vento, água. Quando acabou a brincadeira, levei os dois para um banho quentinho, até aí tudo certo, porém ao chegarmos na casa da minha mãe, o Luiz Felipe começou a reclamar de dor nos pés, ai, ai ai, eu já imaginava... Infelizmente toda aquela diversão na piscina, se transformou em uma das piores crises de dor pela qual o Luiz Felipe já passou.Acontece que, para um portador de Anemia Falciforme, como a circulação já é comprometida, uma mudança intensa na temperatura (entra e sai da piscina, vento e calor), pode ocasionar o que os médicos chamam de DACTILITE FALCÊMICA ou mais conhecida como "SÍNDROME MÃO-PÉ", é uma inflamação nas articulações e nos ossos das mãos e dos pés, causa inchaço e muita dor. No caso do Luiz Felipe, ele ficou com os dois pés inchados, o direito bem mais (no peito do pé), o tornozelo da perna esquerda também inchou, a mão direita ficou inchada e o dedo médio dela também, a mão esquerda ficou um pouco inchada e foi a mão da qual ele não se queixou dor.
Voltei para São Paulo, pois aqui sei que teria um acompanhamento médico mais específico caso o quadro dele piorasse. Ele se queixava muito das dores nos pés, doía muito para andar, liguei para a hematologista dele e comecei a dar analgésico e antiinflamatório. Não foi a primeira vez em que os pés incharam, mas desta vez, inchou muito mais, fiquei com medo, e as dores estavam tão intensas que ele chegava a gritar... Coloquei um colchão na sala, deixei ele bem confortável, coloquei algumas almofadas para ele apoiar os pés de forma que ficassem mais altos, o que aliviava as dores... Ah, a hidratação nesses casos é importantíssima, coloquei uma garrafinha de água do lado dele (ele tomava água sem parar pois ouviu da hematologista e de mim que é fundamental pra ele, principalmente nas crises). Passou um dia, dois, e parecia que não melhorava, as dores continuavam fortes, o inchaço não diminuía, minha preocupação aumentava... Tinha que levá-lo no colo para o banheiro e ele tinha que fazer xixi sentadinho, pois não conseguia aguentar a dor de pé, chorava de dor, então liguei novamente para a hematologista... Comecei a dar CODEÍNA (um opióide, um analgésico mais potente, composto da morfina), fazer compressas mornas, massagem... Algumas pessoas falam: "por que não leva para o hospital?", simples, não há muito o que se fazer nessas crises, é lógico que se piorasse mais eu o levaria, ele seria internado, soro, analgésico, antiinflamatório, mas os médicos mesmo dizem que se der para tratar em casa, nos casos das crises, melhor, pelo menos aqui ele tem atenção e carinho, num ambiente confortável e tranquilo, sem furos nos bracinhos.
Toda essa crise dolorosa, dolorída, filha da p... durou cerca de 9 dias, até os pés e mãos voltarem ao normal e as dores acabarem. 9 dias que ele ficou com dores, não brincou de nada, só assistia seus desenhos na TV, 9 dias em que faltou a escolinha, ele sentiu tanta falta de estar na escola, que me contava que tinha sonhado com um dos coleguinhas, ficava lembrando uma palhaçada ou uma coisa engraçada que o amigo Francisco ou o Victor Hugo haviam falado, 9 dias em que a Ana Luiza me perguntava por que que o irmão estava "dodói", e nesses 9 dias, toda noite depois que eles dormiam eu caía num choro profundo, que doía, doía a minha alma, Por quê???, por que com ele? por que não comigo? Por quê uma criança tem que passar por isso? Eu sei muito bem que existem doenças e coisas piores que isso, mas não existe nada pior, na minha opinião, do que ver o sofrimento de um filho.
Mas até que ele, apesar de tudo, se saiu muito bem, ficou meio amuadinho por causa das dores, mas como é um menino bem inteligente, e tem um humor inteligente, em nenhum momento o senti desanimado, conversávamos muito, não passava minha angústia, minha dor e meu medo pra ele, eu era toda carinho, tanto carinho que um dia depois de eu perguntar se estava se sentindo melhor, ele soltou essa: "tô um pouco melhor, mas acho que vou ficar mais um pouquinho aqui deitado pra você ficar trazendo as coisas pra mim" tudo isso com uma cara de malandro, só quem conhece que sabe.